Diálogo entre putas na Plaza de Chueca, Madrid!

– Hilda Fura-olho do cão!
– Grita baixo, ô Antonieta da Peste.
– Banquei tua passagem, ex-pão-com-ovo Zona Leste!
– Não me incorpora a brasuca barulhenta, senão…
– Ou então o-que-o-que, ladra de macho alheio!
– Te denuncio pros polícia da praça, vagaba sem-papéis.
– Traíra das amiga por passaporte e cama c’o véio!
– Se for pra ser cínica, “vão-se os dedos, fic’os anéis”.
– Mas antes abr’outra boceta nessa cara lavada à peroba!
– Aqui não tem lei da peixeira, tercermundista covarde.
– Poder de vingança é mais antigo, pérfida duma ova!
– Deixo paga a cuba libre, amostra da minha bondade.
– Hilda, num levanta ainda, perra bandida!
– Tieta, volta pra internet d’agreste vida.
– !
– .

A transex magrelinha do Camboja: surpresinha na Virada de Abel

A transex magrelinha do Camboja: surpresinha na Virada de Abel

Abel arriscou um corredor da morte em aposta lotérica particular de Ano Novo, transformando-se numa múmia de pó puríssimo comprado nas porosas fronteiras do Acre, a que pretendia exportar a Phuket, empacotado em ataduras minuciosamente aderidas ao corpo como se as substituísse por confortáveis roupas de baixo; quem o tocasse juraria tatear um travesseiro responsa de penas de ganso. Doze quilos da droga, bem distribuídos ao longo das pernas finas, tornearam seus gêmeos geneticamente afilados, deram porte atlético ao tronco e nádegas a uma bunda dantes apelidada de gaveta; o padê transgênico lhe renderia pouco mais de milhão de dólares, limpinhos, com os narcos que conhecera na primeira passagem pela Tailândia quando era reles mochileiro, dá pra viver sussa por uma caralhada de anos com esse plano infalível de aposentaria da vida ilegal, e com a sorte da cidadania cisplatina que herdei da minha velha, inauguro coffee shop em Punta, que viva o guerrilheiro Mujica!, vangloriava-se ainda ao taxista, que nada entendia daquela exaltação, enquanto conduzia-o ao André Franco Montoro airport.

O rapaz engoliu dois lexotans e meio de cinco miligramas antes de enfrentar os controles da Polícia Federal, outra dose cavalar de ansiolítico na área de trânsito do aeroporto de Bangkok, tomava tais precauções sempre e antes de se encontrar com os da barra-pesada, nada mais indicado para ocasiões de forte estresse, a prescrição tornaria a funcionar de modo que as mãos não balançassem o passaporte um milímetro na hora agá, nem tiritasse os chocalhos de prata do punho fino e elegante, tudo de acordo com os conselhos do psiquiatra-amigo que lhe vendia de tempos em tempos o receituário.

Levou um pequeno susto em Bangkok ao ter de encarar a fila do “health control”, no qual um cartaz porcamente escrito à mão listava países tropicais com áreas epidêmicas de febre amarela, incluído ali o Brasil. Temeu que a sorte tal como o fuso tivesse virado vez, mas tudo não passou de mera praxe burocrática: o senhor esteve febril nas últimas quarenta e oito horas? Calafrios, náuseas ou vômito? Não, não e não, só o cansaço de vir do outro lado do mundo mesmo, seu bosta, emendou em sorridente português. Ok, acesso concedido ao paraíso.

Na festa franca da vitória, com a transferência milionária para offshore caribenha confirmada e a megasena da virada no papo, Abel entregou-se a um rega-bofes em Patong Beach com seus comparsas asiáticos, claro que sem nada cheirar – profissional que se preze não comete desses deslizes –, e externou o desejo de passar o réveillon mais tranquilo de sua vida nas imediações do famoso templo de Angkor Wat, moço mimado, talvez pra passar a limpo seus pecadinhos mais recentes. Os colegas de trabalho se entreolharam, loucos que estavam por pregar uma peça no incauto brasileiro, pronto recomendando-lhe a mais bela guia de todo o Camboja do mundo inteiro, worldwide international. A despeito da altíssima procura nessas datas festivas, em menos de dez minutos o secretário do chefão tailandês entrou na web, naipe bafudo que detinha, comprou-lhe passagem executiva, reservou cinco estrelas e uma beldade, cujo nome de guerra era Suri, de certo em homenagem à filha de Tom Cruise.

De fato, Abel se embasbacou com a beleza de Suri, tigresinha de bengala e pele acobreada, olhos delineados idênticos aos de um alto-relevo khmer, enquanto a observava sem que ela ainda o reconhecesse na fila canseira de imigração, segurando uma plaquinha na área receptiva do aeródromo de Siem Reap com a inscrição garrafal BELA, anagrama equivocado, porém auspicioso como as tábuas de salvação.

Durante o dia de visitação, a beldade narrava-lhe as maravilhas do maior complexo religioso do mundo num inglês vagaroso e sensualmente pausado; Abel só se concentrava no movimento de seus lábios de boneca oriental, traçava inaudito estratagema de como abordá-la à noite sem parecer ofensivo, pois não sentira abertura para qualquer gesto mais ousado.

Porém na mesmíssima noite ela surgiu no lobby do hotel vestida de dançarina apsará, como se flutuasse sobre as águas calmas de um lago tropical, ricamente ornada em seda amarela e fúcsia, nada do khmer vermelho, em penduricalhos que lembrariam ouro encrustado por pequeninas jades e maquiagem que lhe conferia ao rosto textura da porcelana mais delicada.

Na hora da virada do bafo do ano, ela bailou nos jardins do hotel pra ele, que já entornara sozinho duas garrafas de tinto chileno, bastante comum aliás no Sudeste Asiático – antes de beberrão, sou a bílis forte dos sertões. Beijou-o na língua branca. Ousado, sem atentar ao bafo ausente de cremes dentais, Abel retribuiu-lhe com um toque na fronteira das partes íntimas. E finalmente teve seu momento de revelação como o Luís Melodia na canção da Magrelinha que idolatrava ouvindo Rádio USP: nem a lua nem o sol adivinhariam o desejo bestial e naturalista, coisa de anos 1880, que era uma lady boy aquela menininha de vestigiozinho de corpo masculino pendurado e durinho. Abel surpreendeu-se por não sentir rejeição ao toque fervido e foi mucho más pero mucho más lejos, desse preconceito que ele não desfaleceria. Ela encabulou-se em breve explicação cristã, (extemporânea atreveria-me): Seus amigos avisaram você, não foi?Minha cirurgia está marcada para o próximo mês em Chiang Mai, linda. Ele não deu bolas, interrompeu-a com um beijaço do mais intenso, enquanto repetia para si “mesmo se ela não ‘o cortasse fora’, continuava sendo minha gatinha agora e pra sempre e amém, até meu rabo pra ela também”.

Encaixando-a ali em seu colo animado, Abel cantarolava num improviso rico e feliz sua falta estranha de originalidade: “no coração, no coração, no coração do Camboja, no coração, onde já mora um brasileiro que não quer nunca mais voltar, de jeito e maneira”.

As pegadoras de Luxor

Ou as turistas do amor no Egito

Jorge estava odiando Luiza à hora do jantar naquela ribeira coaxante do Nilo, a um pulinho do centro de Luxor. Principiou-se a sinfonia de minaretes e grilos, cacofonia e fuga para sua entrega à melancolia, que um vago arrependimento lhe abatera pela primeira vez ali à luz de velas vermelhas assombradas por mosquitos com sua esposa inda acesa. Cedi a um casamento morno pela promessa de salvação com a mulher boa sincera farta de bossa que ora me afastou de nefastos caminhos, isso podia ter destruído minha reputação de jurista antes mesmo de ser aprovado em exame público, era tão linda minha egiptóloga professora da USP no princípio do afeto quando me livrou de becos e recaídas na retorta noite de São Paulo é ela que age agora de modos tão-não-sei por-que-tais ela passou os dois últimos dias afoita em nossa primeira viagem longa e eu não posso nem quero sentir-me um bichinho ingrato enquanto ela for minha for minha guia de primeira classe fez-que-fez para visitarmos os templos todos num raio de cento e cinqüenta quilômetros a partir deste lugar, sinto culpa por não partilhar de seu fogo por Ramsés II e a rainha da paz Hatshepsut, custa-me prestar-lhe atenção quando interpreta os hieróglifos dos muros incandescentes amarelos, de seus olhos semicerrados pela luz do deserto, das minhas mãos desidratadas em calor argiloso de agosto, ai como arde o desamor em flor, não sei bem se está clara a culpa o desinteresse e essa ausência da palavra cortês, qual me denunciei na véspera da boda no tumulto de um sonho cruel no qual eu fugia de seu farto colo nalguma hora agá gritando-lhe com indiferença que não a desejava mais feito tantos homens que se queixam no pós-coito da mulher outrora amada.

Por sua vez, Luiza fingiu não captar o tédio nu-outro e discorreu com força do entusiasmo sobre o passeio em balão tapete mágico no qual o casal surfaria as primevas horas que abrem alas à dedirrósea aurora seguinte daí ele deu de ombros que não repousaria direito por causa do passeio em balão na madrugada que em breve rebentaria enfim ele clamou do tempero da comida, que injusto ela logo defendeu suas escolhas que era este o melhor restaurante da gastronomia local fruto do casamento feliz de um mestre-cuca egípcio cansado do caos do Cairo e sua chef irlandesa apaixonada pelos da margem direita do rio-dádiva, assim deu que ele arrebatou do ar o ataque sutil da fêmea ofendida e pediu a conta sem sobremesa café ou chá açucarado de hortelã em demasia. Caminharam até o jardim do hotel flanqueando a barranca do Nilo como em filme mudo estrelado por múmias. Ela finalmente chiou do calor e ascendeu ao quarto tendo por álibi o ar condicionado e a precisão de descansar para a vindoura aventura nos ares, enquanto ele só carecia de outra dose cavalar de tônica-e-gim praguentar a noite insone que teria pela frente por fim.

No entanto este Jorge confuso não esquadrinhava o bar à procura de mais mulher simplesmente, buscava outra companhia para esquecer a dúvida acesa de um vaga-lume à deriva num ilhéu de separação, se ela dorme e desperta automática como médico plantonista, para mim, virar noite é preferível a madrugar às quatro em ponto da matina, depois aqui na barra do bar o papo com Mahmoud brilha sempre no vozerio das alegrias, estudo árabe com eles hoje decorei ámar arbatashar, lua quatorze, formoso jeito de encantar a menina pois que ela emprestou a lindeza do plenilúnio em décimo quarto dia do islâmico mês.

Naquele instante avizinhou-se de Jorge uma senhorita Anne, mais adorável pela simpatia que pelo padrão-beleza ocidental, atarracada que podia ser considerada outra espécie de lua cheia: escocesa de frugal cabeleira ruiva em rostinho redondo de pele vermelha e risonha, apresentadora de TV em Glasgow, excitando mais e mais sua verve a cada gole de um álcool forte e assim me narrou sua paixão por Ahmed rapagão robusto que ela visitava por oitava vez naquele ano por sorte voava-se direto do Reino Unido ao Reino dos Faraós durante plena revolução dos jasmins sem cruzar pela Praça Tahrir e com ele ela forjava planos de habitar perto do Vale dos Reis compraria um dois-quartos em frente ao rio-deus pela bagatela de trinta mil libras logo em seguida chegou sua amiga Cristina alemã loura septuagenária, também pegadora de egípcios, porém sem nada muito romantizar.

Mudaram-se à mesa de Cristina que entornava espumante e a cada taça virada ficava ainda mais estrábica e disparava sobre a mesa seu mantra copta tonight-I-will-fuck-fuck-fuck batendo uma mão contra a outra em gesto vulgar de cópula, de forma que Jorge em seu íntimo se escandalizou bem.

O namorado de Anne baixou no bar e carregou-a pra dançar.

Momento sublime de Jorge e Cristina a sós.

A septuagenária pediu encarecidamente que Jorge abandonasse a mesa antes da chegada do paquera trintão: Ahmed é bofe ciumento, deus-nos-livre se vir você pelejando em cima de mim, não queima meu filme, seu moço, volta pra barra fingindo que nunca mais me viu.

Jorge comprou um charuto e foi espantar sua caretice com os pernilongos do jardim.

Rebeca e sua inesquecível visita de médico ao Taj Mahal

Visita de médico ao Taj Mahal

Rebeca planejou visita expressa a Nova Délhi e Agra. Sou avessa a perrengues, nem passa perto da minha lista uma Índia não confio em comida e água e desserviço de quinto mundo.
Porém Rebeca enciumada do passeio da melhor amiga mudou de ideia. Vou de circuito básico, fim de semana nos arredores de Paris, depois compras em Dubai, e por fim um bate-volta pra Índia.

Rebeca não topava com o destino, apenas sonhava o Taj Mahal, quando aos quinze se deliciou numa compilação de contos de As mil e uma noites. Na capa figurava o mausoléu indiano talhado em mármore branco, precisava daquele troféu.

Rebeca antenada sabe que o Taj não se relaciona diretamente à história de Sherazade, pelo simples fato de que o monumento ainda não resplandecia às margens do rio Yamuna quando o clássico da língua árabe já havia amanhecido para as letras.

Rebeca lera tudo sobre o Taj no imaginário e ideal estético e arquitetônico da Pérsia, parte significativa da arte muçulmana que engloba inclusive o mundo árabe. Só não quero sentir cheiro de especiarias suor chá preto e fezes de ratos e outros.

Rebeca pensava horrores da Índia.

Do aeroporto ao hotel no Jaguar exclusivo do transfer, tudo em constelações de no mínimo seis estrelas, uma noite em Nova Délhi, no dia seguinte day trip para Agra, volta direto ao aeroporto, nenhum minuto mais no subdesenvolvimento.

O que a gente não faz só pra ticar um país no mapa, esse aeroporto dá um banho no de Guarulhos e esse povo esquisito que nem sabe o que é banho, que cheiros embriagam meu nariz, menos mal que fico quase nada neste pardieiro, tomara que não chova porque assim minhas fotos hão de brilhar no instagram, ai calor amazônico que não me abandona nem em viagem de férias liga o ar condicionado no máximo please eu só mereço o máximo daí faço check-in expresso pois tudo está expresso nessa viagem, desmaiei na king size e despertei de rosto afogueado com o sol sobre uma cidade verde, esse sonho de Nova Délhi nem parece capital da Índia de tão limpinha nem parece a África essa cidade britânica com parques britânicos emaranhados por ruas em direção inglesa, comecei a me trair e até a gostar cadê o Jaguar que dentro em três horas estarei em Agra finalmente estrada boa de interior paulista isso que a amiga me garantiu, passa antes embaixada brasileira aqui, representação americana ali esses diplomatas funcionários públicos sórdidos que passam muito bem a vida com dinheiro dos meus impostos.

Rebeca só não contava que antes de cair na pedagiada, veria através da janela um povo sofrido se amontoando sobre a capota do carro. Ela gritou famélicos ralhou aleijados encrustando-se no carro babam e bafejam e se humilham até se refestelam sobre o vidro o senhor nem pense em abrir a janela seu motorista pelamor quanto tempo resta até o pedágio ai se arrependimento matasse pelamor queria teletransporte à galeria Lafaiete ou o Printemps pra que fui inventar moda mon dieu pra quê instagram pra quê.

Dois minutos à espera do semáforo sob um viaduto de acesso bastaram para que Rebeca se obrigasse a ver a miséria material que tanto evitara nos caminhos a seus condomínios pelo Brasil.

Depois de cruzar a rodovia dos bandeirantes da Índia, Rebeca teve de encarar outros intestinos da pobreza indiana na entrada da cidade de Agra, onde triunfa o Taj. Eles cospem de cima do tuc-tuc um líquido marrom de tabaco e no lixo fartam-se vacas cães patos macacos acho que nem ser humano falta ao festim desses detritos e eu nem consigo ver ainda o Taj lindo e branco o meu Taj olha que rico que quase o beijo.

Rebeca viu o Taj. Mas Rebeca na fila antes de adentrar o Taj teve um ataque de pânico e não me toquem não me relem os corpos mãos roupas sujas suadas e trêmula fica minha foto e estou trêmula a ponto de pronto não quero mais vou-me já que está pingando e já vim vi e chega.

Rebeca engana hoje em dia todas as amigas que adoram ser logradas, que Rebeca amou sua visita de médico à Índia.

***

A “coroa dos palácios” é um significado possível para Taj Mahal. Mas não o explicita absolutamente, posto que não há tradução que descreva qualquer objeto em sua plenitude; apenas a poesia nos auxilia na recriação das metáforas que reabitam em nós sensações similares às pretendidas pelo artista – sejam tais sinestésicas, quiméricas, inconscientes… Mas isso ainda é pouco. Porque esta espécie de beleza sobrenatural só pode ser interpretada à luz da paixão e dos amores obsessivos, como nos grandes mitos: de Píramo e Tisbe, Inês de Castro e Pedro I, Romeu e Julieta… E do príncipe Shah Jahan e sua terceira esposa Mumtaz Mahal. Após perdê-la no parto do 14o. filho, reza a lenda que ele ficou grisalho do dia para noite e não descansou até erigir a ela este mausoléu celestial. Enfim, é algo por que valha a pena arrepiar-se.

Uma passagem pela Índia: brevíssima busca do português perdido

Uma passagem pela Índia: brevíssima busca do português perdido

Extravagante. Desigual e opulenta. Miserável. Monumental, bela e suja.
Talvez porque qualquer adjetivo caiba nos juízos que os visitantes emitam sobre um passeio às Índias, por isso mesmo o subcontinente seja inesquecível – para o bem e para o mal.

Existe claro o inigualável Taj Mahal, manjada obra dos persas, que muita gente ainda não intuiu se tratar de uma joia da cultura muçulmana. Há a lã da Caxemira, região que se gaba de ser a mais bela do mundo. E cristãos aos borbotões à margem do Ganges. Além de um Gandhi que deploraria a Bomba. E esta Mumbai que entristece nossa vista com tanta riqueza e miséria, depois de esnobar nosso idioma e coroar-se ex-miss-Bombaim. Até a língua inglesa ganhou um novo significado por causa dos povos hindus….

No país que é mais populoso que todas as Américas unidas.

Cruzei desde pessoas que visitavam o país, pagando pra ver o Taj Mahal apenas num fim de semana, até estrangeiros que começaram no velho e bom sabático de três meses, os quais acabaram se tornando uma vida inteira.

Ninguém lhe é indiferente, ó Índia.

Em nossa cultura ibero-americana aprendemos a amar desde cedo o caminho das Índias nas cartilhas das grandes navegações, e depois nos aprofundarmos no gosto por esta porção de oriente exótico, em escrita viajante de Camões sobre os feitos de Vasco da Gama e os seus, no contorno ao Cabo das Tormentas: da emboscada em Mombaça à conquista do território de Goa e Bombaim.

Alexandre Magno, cerca de um milênio antes, cruzou desertos e cordilheiras para combater batalhões de elefantes e dominar mesmo que por curto tempo alguns reinos do Hindustão; porém sua língua helênica não impregnou nenhuma porção do vale gangético, diferente da cultura lusitana, que colonizou a região de Goa até 1963 e marca presença até hoje, seja na comida, arquitetura ou toponímia.

Com tamanho panorama saudosista, era clara expectativa ouvir o português melífluo.

Infelizmente tal momento não existiu, que depois de guardar para o último dia de visita o encontro com o cozinheiro do hotel que era fluente em nosso idioma, descobri que ele não poderia comparecer, que o senhor Menezes tinha morrido naquele mesmo dia, como havia de ser.

***

Exuberante terra de Goa, paisagem de verdura boa em relva de matiz infinito, igreja franciscana refrescada nas cansadas monções, alimento temperado a vindalho e especiarias das Índias deste vale, ai de que vale essa vida tão nossa e portuguesa sem essa certeza tropical: morremos inundando matas com um sangue que já nasce frio, e de tal nascente só mais rio, que de nada o serve o chorar, pois no fundo ainda eu-rio num próximo avatar, serei outro peixe fisgado pra sempre deste arábico doce mar. Qu’ inda é doce morrer no mar, Dorival, nas ondas verdes de um novo lar.