Rebeca e sua inesquecível visita de médico ao Taj Mahal

Visita de médico ao Taj Mahal

Rebeca planejou visita expressa a Nova Délhi e Agra. Sou avessa a perrengues, nem passa perto da minha lista uma Índia não confio em comida e água e desserviço de quinto mundo.
Porém Rebeca enciumada do passeio da melhor amiga mudou de ideia. Vou de circuito básico, fim de semana nos arredores de Paris, depois compras em Dubai, e por fim um bate-volta pra Índia.

Rebeca não topava com o destino, apenas sonhava o Taj Mahal, quando aos quinze se deliciou numa compilação de contos de As mil e uma noites. Na capa figurava o mausoléu indiano talhado em mármore branco, precisava daquele troféu.

Rebeca antenada sabe que o Taj não se relaciona diretamente à história de Sherazade, pelo simples fato de que o monumento ainda não resplandecia às margens do rio Yamuna quando o clássico da língua árabe já havia amanhecido para as letras.

Rebeca lera tudo sobre o Taj no imaginário e ideal estético e arquitetônico da Pérsia, parte significativa da arte muçulmana que engloba inclusive o mundo árabe. Só não quero sentir cheiro de especiarias suor chá preto e fezes de ratos e outros.

Rebeca pensava horrores da Índia.

Do aeroporto ao hotel no Jaguar exclusivo do transfer, tudo em constelações de no mínimo seis estrelas, uma noite em Nova Délhi, no dia seguinte day trip para Agra, volta direto ao aeroporto, nenhum minuto mais no subdesenvolvimento.

O que a gente não faz só pra ticar um país no mapa, esse aeroporto dá um banho no de Guarulhos e esse povo esquisito que nem sabe o que é banho, que cheiros embriagam meu nariz, menos mal que fico quase nada neste pardieiro, tomara que não chova porque assim minhas fotos hão de brilhar no instagram, ai calor amazônico que não me abandona nem em viagem de férias liga o ar condicionado no máximo please eu só mereço o máximo daí faço check-in expresso pois tudo está expresso nessa viagem, desmaiei na king size e despertei de rosto afogueado com o sol sobre uma cidade verde, esse sonho de Nova Délhi nem parece capital da Índia de tão limpinha nem parece a África essa cidade britânica com parques britânicos emaranhados por ruas em direção inglesa, comecei a me trair e até a gostar cadê o Jaguar que dentro em três horas estarei em Agra finalmente estrada boa de interior paulista isso que a amiga me garantiu, passa antes embaixada brasileira aqui, representação americana ali esses diplomatas funcionários públicos sórdidos que passam muito bem a vida com dinheiro dos meus impostos.

Rebeca só não contava que antes de cair na pedagiada, veria através da janela um povo sofrido se amontoando sobre a capota do carro. Ela gritou famélicos ralhou aleijados encrustando-se no carro babam e bafejam e se humilham até se refestelam sobre o vidro o senhor nem pense em abrir a janela seu motorista pelamor quanto tempo resta até o pedágio ai se arrependimento matasse pelamor queria teletransporte à galeria Lafaiete ou o Printemps pra que fui inventar moda mon dieu pra quê instagram pra quê.

Dois minutos à espera do semáforo sob um viaduto de acesso bastaram para que Rebeca se obrigasse a ver a miséria material que tanto evitara nos caminhos a seus condomínios pelo Brasil.

Depois de cruzar a rodovia dos bandeirantes da Índia, Rebeca teve de encarar outros intestinos da pobreza indiana na entrada da cidade de Agra, onde triunfa o Taj. Eles cospem de cima do tuc-tuc um líquido marrom de tabaco e no lixo fartam-se vacas cães patos macacos acho que nem ser humano falta ao festim desses detritos e eu nem consigo ver ainda o Taj lindo e branco o meu Taj olha que rico que quase o beijo.

Rebeca viu o Taj. Mas Rebeca na fila antes de adentrar o Taj teve um ataque de pânico e não me toquem não me relem os corpos mãos roupas sujas suadas e trêmula fica minha foto e estou trêmula a ponto de pronto não quero mais vou-me já que está pingando e já vim vi e chega.

Rebeca engana hoje em dia todas as amigas que adoram ser logradas, que Rebeca amou sua visita de médico à Índia.

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A “coroa dos palácios” é um significado possível para Taj Mahal. Mas não o explicita absolutamente, posto que não há tradução que descreva qualquer objeto em sua plenitude; apenas a poesia nos auxilia na recriação das metáforas que reabitam em nós sensações similares às pretendidas pelo artista – sejam tais sinestésicas, quiméricas, inconscientes… Mas isso ainda é pouco. Porque esta espécie de beleza sobrenatural só pode ser interpretada à luz da paixão e dos amores obsessivos, como nos grandes mitos: de Píramo e Tisbe, Inês de Castro e Pedro I, Romeu e Julieta… E do príncipe Shah Jahan e sua terceira esposa Mumtaz Mahal. Após perdê-la no parto do 14o. filho, reza a lenda que ele ficou grisalho do dia para noite e não descansou até erigir a ela este mausoléu celestial. Enfim, é algo por que valha a pena arrepiar-se.