A transex magrelinha do Camboja: surpresinha na Virada de Abel

A transex magrelinha do Camboja: surpresinha na Virada de Abel

Abel arriscou um corredor da morte em aposta lotérica particular de Ano Novo, transformando-se numa múmia de pó puríssimo comprado nas porosas fronteiras do Acre, a que pretendia exportar a Phuket, empacotado em ataduras minuciosamente aderidas ao corpo como se as substituísse por confortáveis roupas de baixo; quem o tocasse juraria tatear um travesseiro responsa de penas de ganso. Doze quilos da droga, bem distribuídos ao longo das pernas finas, tornearam seus gêmeos geneticamente afilados, deram porte atlético ao tronco e nádegas a uma bunda dantes apelidada de gaveta; o padê transgênico lhe renderia pouco mais de milhão de dólares, limpinhos, com os narcos que conhecera na primeira passagem pela Tailândia quando era reles mochileiro, dá pra viver sussa por uma caralhada de anos com esse plano infalível de aposentaria da vida ilegal, e com a sorte da cidadania cisplatina que herdei da minha velha, inauguro coffee shop em Punta, que viva o guerrilheiro Mujica!, vangloriava-se ainda ao taxista, que nada entendia daquela exaltação, enquanto conduzia-o ao André Franco Montoro airport.

O rapaz engoliu dois lexotans e meio de cinco miligramas antes de enfrentar os controles da Polícia Federal, outra dose cavalar de ansiolítico na área de trânsito do aeroporto de Bangkok, tomava tais precauções sempre e antes de se encontrar com os da barra-pesada, nada mais indicado para ocasiões de forte estresse, a prescrição tornaria a funcionar de modo que as mãos não balançassem o passaporte um milímetro na hora agá, nem tiritasse os chocalhos de prata do punho fino e elegante, tudo de acordo com os conselhos do psiquiatra-amigo que lhe vendia de tempos em tempos o receituário.

Levou um pequeno susto em Bangkok ao ter de encarar a fila do “health control”, no qual um cartaz porcamente escrito à mão listava países tropicais com áreas epidêmicas de febre amarela, incluído ali o Brasil. Temeu que a sorte tal como o fuso tivesse virado vez, mas tudo não passou de mera praxe burocrática: o senhor esteve febril nas últimas quarenta e oito horas? Calafrios, náuseas ou vômito? Não, não e não, só o cansaço de vir do outro lado do mundo mesmo, seu bosta, emendou em sorridente português. Ok, acesso concedido ao paraíso.

Na festa franca da vitória, com a transferência milionária para offshore caribenha confirmada e a megasena da virada no papo, Abel entregou-se a um rega-bofes em Patong Beach com seus comparsas asiáticos, claro que sem nada cheirar – profissional que se preze não comete desses deslizes –, e externou o desejo de passar o réveillon mais tranquilo de sua vida nas imediações do famoso templo de Angkor Wat, moço mimado, talvez pra passar a limpo seus pecadinhos mais recentes. Os colegas de trabalho se entreolharam, loucos que estavam por pregar uma peça no incauto brasileiro, pronto recomendando-lhe a mais bela guia de todo o Camboja do mundo inteiro, worldwide international. A despeito da altíssima procura nessas datas festivas, em menos de dez minutos o secretário do chefão tailandês entrou na web, naipe bafudo que detinha, comprou-lhe passagem executiva, reservou cinco estrelas e uma beldade, cujo nome de guerra era Suri, de certo em homenagem à filha de Tom Cruise.

De fato, Abel se embasbacou com a beleza de Suri, tigresinha de bengala e pele acobreada, olhos delineados idênticos aos de um alto-relevo khmer, enquanto a observava sem que ela ainda o reconhecesse na fila canseira de imigração, segurando uma plaquinha na área receptiva do aeródromo de Siem Reap com a inscrição garrafal BELA, anagrama equivocado, porém auspicioso como as tábuas de salvação.

Durante o dia de visitação, a beldade narrava-lhe as maravilhas do maior complexo religioso do mundo num inglês vagaroso e sensualmente pausado; Abel só se concentrava no movimento de seus lábios de boneca oriental, traçava inaudito estratagema de como abordá-la à noite sem parecer ofensivo, pois não sentira abertura para qualquer gesto mais ousado.

Porém na mesmíssima noite ela surgiu no lobby do hotel vestida de dançarina apsará, como se flutuasse sobre as águas calmas de um lago tropical, ricamente ornada em seda amarela e fúcsia, nada do khmer vermelho, em penduricalhos que lembrariam ouro encrustado por pequeninas jades e maquiagem que lhe conferia ao rosto textura da porcelana mais delicada.

Na hora da virada do bafo do ano, ela bailou nos jardins do hotel pra ele, que já entornara sozinho duas garrafas de tinto chileno, bastante comum aliás no Sudeste Asiático – antes de beberrão, sou a bílis forte dos sertões. Beijou-o na língua branca. Ousado, sem atentar ao bafo ausente de cremes dentais, Abel retribuiu-lhe com um toque na fronteira das partes íntimas. E finalmente teve seu momento de revelação como o Luís Melodia na canção da Magrelinha que idolatrava ouvindo Rádio USP: nem a lua nem o sol adivinhariam o desejo bestial e naturalista, coisa de anos 1880, que era uma lady boy aquela menininha de vestigiozinho de corpo masculino pendurado e durinho. Abel surpreendeu-se por não sentir rejeição ao toque fervido e foi mucho más pero mucho más lejos, desse preconceito que ele não desfaleceria. Ela encabulou-se em breve explicação cristã, (extemporânea atreveria-me): Seus amigos avisaram você, não foi?Minha cirurgia está marcada para o próximo mês em Chiang Mai, linda. Ele não deu bolas, interrompeu-a com um beijaço do mais intenso, enquanto repetia para si “mesmo se ela não ‘o cortasse fora’, continuava sendo minha gatinha agora e pra sempre e amém, até meu rabo pra ela também”.

Encaixando-a ali em seu colo animado, Abel cantarolava num improviso rico e feliz sua falta estranha de originalidade: “no coração, no coração, no coração do Camboja, no coração, onde já mora um brasileiro que não quer nunca mais voltar, de jeito e maneira”.