As pegadoras de Luxor

Ou as turistas do amor no Egito

Jorge estava odiando Luiza à hora do jantar naquela ribeira coaxante do Nilo, a um pulinho do centro de Luxor. Principiou-se a sinfonia de minaretes e grilos, cacofonia e fuga para sua entrega à melancolia, que um vago arrependimento lhe abatera pela primeira vez ali à luz de velas vermelhas assombradas por mosquitos com sua esposa inda acesa. Cedi a um casamento morno pela promessa de salvação com a mulher boa sincera farta de bossa que ora me afastou de nefastos caminhos, isso podia ter destruído minha reputação de jurista antes mesmo de ser aprovado em exame público, era tão linda minha egiptóloga professora da USP no princípio do afeto quando me livrou de becos e recaídas na retorta noite de São Paulo é ela que age agora de modos tão-não-sei por-que-tais ela passou os dois últimos dias afoita em nossa primeira viagem longa e eu não posso nem quero sentir-me um bichinho ingrato enquanto ela for minha for minha guia de primeira classe fez-que-fez para visitarmos os templos todos num raio de cento e cinqüenta quilômetros a partir deste lugar, sinto culpa por não partilhar de seu fogo por Ramsés II e a rainha da paz Hatshepsut, custa-me prestar-lhe atenção quando interpreta os hieróglifos dos muros incandescentes amarelos, de seus olhos semicerrados pela luz do deserto, das minhas mãos desidratadas em calor argiloso de agosto, ai como arde o desamor em flor, não sei bem se está clara a culpa o desinteresse e essa ausência da palavra cortês, qual me denunciei na véspera da boda no tumulto de um sonho cruel no qual eu fugia de seu farto colo nalguma hora agá gritando-lhe com indiferença que não a desejava mais feito tantos homens que se queixam no pós-coito da mulher outrora amada.

Por sua vez, Luiza fingiu não captar o tédio nu-outro e discorreu com força do entusiasmo sobre o passeio em balão tapete mágico no qual o casal surfaria as primevas horas que abrem alas à dedirrósea aurora seguinte daí ele deu de ombros que não repousaria direito por causa do passeio em balão na madrugada que em breve rebentaria enfim ele clamou do tempero da comida, que injusto ela logo defendeu suas escolhas que era este o melhor restaurante da gastronomia local fruto do casamento feliz de um mestre-cuca egípcio cansado do caos do Cairo e sua chef irlandesa apaixonada pelos da margem direita do rio-dádiva, assim deu que ele arrebatou do ar o ataque sutil da fêmea ofendida e pediu a conta sem sobremesa café ou chá açucarado de hortelã em demasia. Caminharam até o jardim do hotel flanqueando a barranca do Nilo como em filme mudo estrelado por múmias. Ela finalmente chiou do calor e ascendeu ao quarto tendo por álibi o ar condicionado e a precisão de descansar para a vindoura aventura nos ares, enquanto ele só carecia de outra dose cavalar de tônica-e-gim praguentar a noite insone que teria pela frente por fim.

No entanto este Jorge confuso não esquadrinhava o bar à procura de mais mulher simplesmente, buscava outra companhia para esquecer a dúvida acesa de um vaga-lume à deriva num ilhéu de separação, se ela dorme e desperta automática como médico plantonista, para mim, virar noite é preferível a madrugar às quatro em ponto da matina, depois aqui na barra do bar o papo com Mahmoud brilha sempre no vozerio das alegrias, estudo árabe com eles hoje decorei ámar arbatashar, lua quatorze, formoso jeito de encantar a menina pois que ela emprestou a lindeza do plenilúnio em décimo quarto dia do islâmico mês.

Naquele instante avizinhou-se de Jorge uma senhorita Anne, mais adorável pela simpatia que pelo padrão-beleza ocidental, atarracada que podia ser considerada outra espécie de lua cheia: escocesa de frugal cabeleira ruiva em rostinho redondo de pele vermelha e risonha, apresentadora de TV em Glasgow, excitando mais e mais sua verve a cada gole de um álcool forte e assim me narrou sua paixão por Ahmed rapagão robusto que ela visitava por oitava vez naquele ano por sorte voava-se direto do Reino Unido ao Reino dos Faraós durante plena revolução dos jasmins sem cruzar pela Praça Tahrir e com ele ela forjava planos de habitar perto do Vale dos Reis compraria um dois-quartos em frente ao rio-deus pela bagatela de trinta mil libras logo em seguida chegou sua amiga Cristina alemã loura septuagenária, também pegadora de egípcios, porém sem nada muito romantizar.

Mudaram-se à mesa de Cristina que entornava espumante e a cada taça virada ficava ainda mais estrábica e disparava sobre a mesa seu mantra copta tonight-I-will-fuck-fuck-fuck batendo uma mão contra a outra em gesto vulgar de cópula, de forma que Jorge em seu íntimo se escandalizou bem.

O namorado de Anne baixou no bar e carregou-a pra dançar.

Momento sublime de Jorge e Cristina a sós.

A septuagenária pediu encarecidamente que Jorge abandonasse a mesa antes da chegada do paquera trintão: Ahmed é bofe ciumento, deus-nos-livre se vir você pelejando em cima de mim, não queima meu filme, seu moço, volta pra barra fingindo que nunca mais me viu.

Jorge comprou um charuto e foi espantar sua caretice com os pernilongos do jardim.