Uma passagem pela Índia: brevíssima busca do português perdido
Extravagante. Desigual e opulenta. Miserável. Monumental, bela e suja.
Talvez porque qualquer adjetivo caiba nos juízos que os visitantes emitam sobre um passeio às Índias, por isso mesmo o subcontinente seja inesquecível – para o bem e para o mal.
Existe claro o inigualável Taj Mahal, manjada obra dos persas, que muita gente ainda não intuiu se tratar de uma joia da cultura muçulmana. Há a lã da Caxemira, região que se gaba de ser a mais bela do mundo. E cristãos aos borbotões à margem do Ganges. Além de um Gandhi que deploraria a Bomba. E esta Mumbai que entristece nossa vista com tanta riqueza e miséria, depois de esnobar nosso idioma e coroar-se ex-miss-Bombaim. Até a língua inglesa ganhou um novo significado por causa dos povos hindus….
No país que é mais populoso que todas as Américas unidas.
Cruzei desde pessoas que visitavam o país, pagando pra ver o Taj Mahal apenas num fim de semana, até estrangeiros que começaram no velho e bom sabático de três meses, os quais acabaram se tornando uma vida inteira.
Ninguém lhe é indiferente, ó Índia.
Em nossa cultura ibero-americana aprendemos a amar desde cedo o caminho das Índias nas cartilhas das grandes navegações, e depois nos aprofundarmos no gosto por esta porção de oriente exótico, em escrita viajante de Camões sobre os feitos de Vasco da Gama e os seus, no contorno ao Cabo das Tormentas: da emboscada em Mombaça à conquista do território de Goa e Bombaim.
Alexandre Magno, cerca de um milênio antes, cruzou desertos e cordilheiras para combater batalhões de elefantes e dominar mesmo que por curto tempo alguns reinos do Hindustão; porém sua língua helênica não impregnou nenhuma porção do vale gangético, diferente da cultura lusitana, que colonizou a região de Goa até 1963 e marca presença até hoje, seja na comida, arquitetura ou toponímia.
Com tamanho panorama saudosista, era clara expectativa ouvir o português melífluo.
Infelizmente tal momento não existiu, que depois de guardar para o último dia de visita o encontro com o cozinheiro do hotel que era fluente em nosso idioma, descobri que ele não poderia comparecer, que o senhor Menezes tinha morrido naquele mesmo dia, como havia de ser.
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Exuberante terra de Goa, paisagem de verdura boa em relva de matiz infinito, igreja franciscana refrescada nas cansadas monções, alimento temperado a vindalho e especiarias das Índias deste vale, ai de que vale essa vida tão nossa e portuguesa sem essa certeza tropical: morremos inundando matas com um sangue que já nasce frio, e de tal nascente só mais rio, que de nada o serve o chorar, pois no fundo ainda eu-rio num próximo avatar, serei outro peixe fisgado pra sempre deste arábico doce mar. Qu’ inda é doce morrer no mar, Dorival, nas ondas verdes de um novo lar.