Publicado em

A italiana chique versus a gangue de macacos da Ilha de Elefanta, Índia.

A italiana chique versus a gangue de macacos da Ilha de Elefanta, Índia.

Mencionei em postagem anterior que os macacos, sagrados no hinduísmo, costumam ser caricatos e folgar com a cara dos viajantes desavisados no subcontinente indiano.
Na saída de um templo hindu no Nepal, por exemplo, o guia orientou-me a não fotografar os animais nem “parecer” levar comida em sacolas, senão haveria alta probabilidade de ser atacado pelos bichos ou ter algum pertence roubado.

O inconveniente é que tal aviso veio justinho na hora de passar sob um pórtico, no qual dezenas de primatas se dependuravam, além de outras dúzias que rodeavam uma ponte, única rota de fuga a cinco metros daquela saída. Eles montavam uma espécie de praça de pedágio. Sem muito exagero, foi revivida a cena final de Os pássaros do Hitchcock, em que as personagens abandonam o refúgio de sua casa, exalando pavor, quando inexplicavelmente as aves cessam o ataque, embora permaneçam ali, tensamente à espreita.

Curti idêntica sensação. Mas felizmente não enfrentei maiores incidentes com a macacada, graças ao bom Shiva.

Agora, houve uma vez uma italiana que, coitada, deveria ter se encomendado a alguma divindade local antes de sair do hotel… (a propósito, numa ocasião um amigo cunhou oportuno provérbio de viajantes sobre esta nacionalidade: “se vir uma mulher requintada num saguão de aeroporto, é bem provável que seja da Itália”.)

Pois bem, esta jovem senhora encarnava um avatar da finesse. Notei sua presença ainda no barco que realiza a travessia de Mumbai para a ilha de Elefanta, pedaço de terra que recebeu tal nome por causa da estátua gigante de um paquiderme ali encontrada, inspiração ao nome de batismo dado pelos lusíadas – sempre eles! – em sua famosa viagem inaugural ao oriente.

A agitação das águas encardidas dessa reentrância por vezes borrifa o interior da embarcação e, por consequência, os passageiros sentados à beirinha, algo que chocou um tanto a bella donna, assim como o ato de um e outro turista atirarem sem cerimônia latinhas de refrigerante naquele braço de mar.

Quarenta minutos depois, com todos desembarcados na ilha, galgamos o monte e chegamos às portas do sítio que é patrimônio cultural da humanidade, as Cavernas de Elefanta. São dois grupos de grutas escavadas: duas dedicadas ao budismo, além de outras cinco covas, consideradas as mais preservadas, que prestam homenagem aos deuses hindus, destacando-se a primeira das cavidades, na qual esculpiram seis metros de Trimurti, uma representação de três cabeças do deus Shiva, as quais significam destruição, criação e proteção.

E proteção era tudo de que precisava nossa companheira de ‘O sole mio.

Após a visita a este grupo de cavernas, um corredor e uma escada a céu aberto levavam às grutas budistas. Portanto todos deviam passar ali – e só por ali – para continuar o passeio.
A italiana caminhava à frente, brava e só, seguida de perto por um grupo de franceses desconfiados – e eu, que me mantinha um pouquinho mais afastado.

Súbito um grupo de macacos cercou a entrada do corredor; um deles, o alfa atrevido, escalou uma mureta e encarou fixamente a viajante solitária, possivelmente adivinhando o conteúdo que ela carregava sob o braço. A mulher congelou. Os franceses recuaram por estratégia. Precavido, me detive até sentir por onde desembocaria a cena.

De fato, o macaco farejara medo na beldade latina e, sem titubear, saltou sobre sua bolsa de grife. O instinto da moça foi o de lutar. E gritar muito.

Antes que os guardas florestais, matando-se de rir da cena em outro canto, interviessem em favor dela, outros cinco macacos do bando partiram para cima da mulher. Horrorizados, os franceses refugiaram-se em exclamações “oh, mon dieu”! Enquanto isso, a valente europeia se recusava a entregar a bolsa e gritava più forte.

Por fim, os dois vigias, cada um portando uma vara, espantaram os animais com gestos e ameaças. Já era tarde, pois a elegantíssima senhora fora humilhada pelos primatas tinhosos e de modos mafiosos; ela reclamava em voz alta “non voglio stare qui, andiamo via, andiamo via!”, desabafo de quem sentiu o desaforo de ser feita gato-sapato pelos bichinhos.

Mesmos depois de largar a bolsa, os macacos prosseguiram na intimidação aos demais circundantes, em sua ronda naquela passagem, como se dissessem: – “próximo”!

Nenhum dos presenciais na cena ousou atravessar o corredor indo-polonês.

Inclusive eu.

Nunca foi prudente testar a profundidade da torrente com os dois pés: principalmente de um rio sagrado.

2 Respostas para “A italiana chique versus a gangue de macacos da Ilha de Elefanta, Índia.

  1. tatisato

    Haha! Só quem lidou com os macacos entendem a força que esses bichinhos têm… Hehe! Medo! Sabe que não se pode sorrir para um deles porque, para eles, mostrar os dentes é um sinal de ataque. Então, você, todo feliz, caminha pela floresta dos macacos, sorrindo e cantando, quando, de repente, é atacado por um! Não, isso não aconteceu comigo, mas já ouvi várias histórias! Parabéns pelo post! Um beijo

  2. angela tozzo ⋅

    kkkk…Coitada, que medo! Adorei a história, continue postando suas aventuras. Beijos

Deixe um comentário